"Lamúrias para o meu amor" impactam vidas em Nampula
- Rdacção
- há 1 dia
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Na tarde morna do dia 21 de maio de 2025, o Ruby Centro Cultural deixou de ser apenas um espaço. Transformou-se em ventre. Um útero colectivo onde palavras ardiam com a mesma intensidade que a fogueira que se acendia no meio da roda — não só como símbolo, mas como altar. Às 17 horas e 30 minutos, o tempo curvou-se à poesia. Estávamos todos ali: testemunhas e cúmplices da apresentação do impactante livro “As lamúrias para o meu amor” — do artista nampulense Liodêngua.
Foi uma casa cheia, em todos os sentidos. Cheia de corpos, de memórias, de silêncios antigos, que, finalmente, encontraram uma voz. Cheia de olhos, que, ao invés de se distraírem com o celular, mergulhavam para dentro, como quem escuta uma confissão sagrada. A fogueira ardia, mas o que queimava ali era mais do que madeira. Queimavam as dores ocultas, os gritos abafados, os hematomas da alma.
O conceituado jornalista, Hélder Xavier, com a gravidade serena que lhe é característica, abriu a noite com uma analogia poética que fez o ar do Ruby estremecer. Comparou o livro a um cântaro rachado, que mesmo partido ainda carrega água, ainda que seja escura, mas necessária.
Afirmou que as lamúrias não eram lamentos comuns, mas a expressão do oração. E todos nós acreditámos. Não porque ele nos convenceu, mas porque, por um instante, sentimos o peso e a leveza de cada poema pairar sobre nós.
Segundo Xavier, não são versos bonitinhos para se recitar ao pôr do sol com um copo de cerveja ou uma taça de vinho na mão, ou seja, não são poemas elaborados para cair na graça do leitor. Estes poemas, escritos com relativa intimidade, são cartas abertas, ou melhor, cartas nunca enviadas, cheias de dores, saudades e verdades que obrigam o leitor a encarar uma ferida que ainda sangra: a Violência Baseada no Género.
Para encerrar, deixou com estes versos do poema que dá nome à obra:
“Sinto que o teu cinto,
é a pior rosa que já recebi.
Cinto que sinto desde que te conheci.
Duvido que de novo me faças feliz…
Lamúrias são tudo o que te tenho a oferecer.”
Aloísio Mugema trouxe-nos à terra, a frieza da lei, mas sem esfriar o espírito. Falou das legislações que amparam e protegem as vítimas de violência doméstica, lembrando que a poesia também é ferramenta de combate. Que não basta denunciar com palavras, mas com acções. A sua fala foi como um espelho: duro, necessário e urgente.
A Mestre de Cerimónia, Licínia Anastácio, não só conduziu o evento, mas soprou o espírito de vida no intervalo entre os momentos, costurando as intervenções com doçura e firmeza. Quando subiu ao palco para actuar, ao lado de José Luís, Nilza Nhamuchua, Clementina Anastácio e Rosália Vilanculos — que além de prefaciar o livro, nos brindou com a sua presença artística —, o ar tornou-se mais denso, como se a própria sala estivesse a chorar por dentro, emocionada demais para se conter.
E como se tudo isso não bastasse para incendiar os corações, a sessão de vendas foi um rito de passagem: todos os exemplares desapareceram das mesas. Não sobrou um só livro. Cada pessoa levou para casa um pedaço daquele fogo, uma faísca de libertação. Era como se cada um soubesse que, entre aquelas páginas, havia algo que também lhe pertencia.
“Lamúrias para o meu amor” não foi apenas apresentado. Foi devolvido ao mundo. E o mundo — ou pelo menos aquele pequeno mundo reunido à volta da fogueira — recebeu-o com respeito, com amor e, sobretudo, com a esperança de que a poesia ainda pode ser redentora.
Naquela noite, as lamúrias deixaram de ser sussurros e tornaram-se vozes, que ardem e curam.
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